Até hoje, todas as oficinas do Desejos Urbanos foram desdobramentos de intervenções urbanas nossas, criadas a partir de questões e estéticas nascidas em nossas experiências e rotinas com a cidade.
E assim foi até aceitarmos o convite do Sesc Pinheiros para elaborarmos uma oficina/intervenção a partir da exposição Desenhos de Cena #1.
Delicado isso de trabalhar a partir de obras de outros artistas, mas lá fomos nós.
Após pesquisa sobre os artistas e obras participantes, identificamos a água e o deslocamentos de objetos como elementos comuns e importantes em diversas obras. Muitas das obras exploravam possibilidades e narrativas nascidas do estranhamento da relação entre forma e função, do confronto entre atração e repulsa, beleza e impertinência, aceitável e incabível. Obras que subvertiam as correspondências conhecidas e esperadas do espectador e assim, abriam espaço para outras vivências surpreendentes e incomuns.
Dentre tantos artistas e obras incríveis desta exposição, fomos arrebatadas pela The Water Banquet de Richard Downing e desse sentimento surgiu a intervenção Lá debaixo da água.
Em uma mesa de 8 metros e cadeiras postas, um banquete se organiza: pratos e talheres enfileirados, flores em jarros, taças reluzentes… Tudo flutua sinuosamente sobre uma longa lâmina d’água que, como um espelho profundo, reflete todo o ambiente.
Todos os convidados a degustarem o banquete recebem um menu onde cada “prato” se desdobra em experiências estéticas únicas. Um banquete para se deleitar com todos os sentidos!
Na oficina/intervenção Lá debaixo da água buscamos estimular a criação de narrativas visuais poéticas a partir da subversão de objetos comuns e a construção de diálogos com o espaço. Para isso escolhemos materiais usados em festas infantis (taças, embalagens de doces, garrafas, talheres, copos) curiosos e diferentes.
Olhar o objeto além de sua função original, explorar suas formas e características materiais, poéticas e estéticas, ressignificá-lo ao criar composições preenchidas com vida e delicadeza e através delas ocupar e transformar o espaço.
Assim, deste estranho e encantador banquete servido sobre água, nasceram seres aquáticos híbridos: garfos e facas agora eram peixes velozes; canudos agora eram coloridos corais; embalagem de doces flutuavam como vitórias-régias e tampinhas e taças nadavam como leves águas-vivas.
Crianças e pais mergulharam no balanço deste fluxo marinho excêntrico.
Em 6 encontros inventaram, criaram e espalharam pelas grandes janelas da piscina jardins subaquáticos, cardumes de delicadezas híbridas e mensagens em garrafas flutuantes.
Para os encerramento os participantes foram convidados a provar, em forma de banquete, suas próprias produções, agora servidas em uma performance na obra inspiradora.
Para nós, uma experiência inesquecivelmente estranhamente reveladora.
E, como disse uma mãe participante: “Foi como se o navio afundasse mas o banquete não deixasse de ser servido. Um banquete náufrago!”
Só temos a agradecer.
Muito obrigada ao Sesc Pinheiros por desbravar mares pouco conhecidos, possibilitando experiências tão ricas e inovadoras. A toda sua equipe sempre atenta e solícita a cada detalhe. Ao artista Richard Downing por uma obra tão poética e pela generosidade de nos convidar para seu banquete. E, por fim, a todas as crianças e pais náufragos, todos tão talentosos, habilidosos e mergulhadores neste fazer lúdico.